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A Insegurança Feminina e “O Mito da Beleza”, de Naomi Wolf

  • Foto do escritor: Natalia Coyado
    Natalia Coyado
  • 18 de ago. de 2021
  • 7 min de leitura

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A insegurança feminina não existe porque é natural. Ela existe porque há uma indústria inteira que a alimenta, pois precisa dela para sobreviver.

Um shot para quem já quis sair do próprio corpo ao se olhar no espelho e se odiar. Dois shots pra quem virou a noite sem dormir pensando que, provavelmente, ele não te ama tanto assim pois você não é tão bonita como gostaria. Três, pra quem saiu intoxicado do Instagram depois de cinco influencers postarem foto de biquíni com o procedimento Lipolad 3D recém-feito. Quatro para quem se compara e se diminui constantemente com outra mulher do seu círculo de convivência.

E essa foi a bela história de como todas as mulheres do mundo entraram em coma alcoólico.

Primeiro, vamos às apresentações. Quem é Naomi Wolf, a autora por trás de “O Mito da Beleza” e uma emblemática figura da terceira onda feminista? Naomi é uma escritora estadunidense, nascida em São Francisco, CA, e ainda muito bem viva, com 58 anos hoje. Apesar de ser uma inspiração para muitas mulheres ao ter escrito este livro, Naomi se envolveu recentemente em algumas polêmicas, revelando-se uma pessoa anti-vacina e negacionista (daquelas que gostam de dizer que o vírus foi criado em laboratório, mesmo após muitas investigações sobre isso que revelaram que isso não passa de uma falácia absurda). Eu não quero entrar hoje neste mérito, mas é importante saber disso para que não glorifiquemos e nem elevemos uma pessoa (aliás, nenhuma pessoa no mundo deveria ser endeusada) baseada em UM trabalho muito sensato que ela realizou.

Naomi divide “O Mito da Beleza” em algumas seções: trabalho, cultura, religião, sexo, fome e violência, que explicitam como o Mito é capaz de destruir a carreira, o relacionamento, a auto-estima, a sanidade e a vida de uma mulher.

Antes de entrar em duas divisões feitas por mim mesma, gostaria de jogar aqui alguns pensamentos pessoais. É impossível ser mulher e estar completamente segura de si o tempo inteiro. Temos picos de auto-estima, mas volta e meia, no mesmo dia, você não é capaz de se olhar no espelho. Mas mais do que isso, a insegurança vai muito além da estética em si. Eu me sinto insegura com meu trabalho, com minhas realizações, em ser ou não melhor do que alguém. Me sinto insegura de não ser o suficiente dentro do meu relacionamento. “Será que gostam de mim?”, “será que não sou tão legal quanto pessoa x?”, “será que um dia ele vai me largar, vai falar que a culpa não é minha, mas na verdade simplesmente se cansou por eu ser uma pessoa medíocre?”. A insegurança destrói tudo que você tenta construir ao longo de anos de terapia de aceitação, em segundos. Basta um comentário falando da sua pele, do seu nariz, das suas notas. Basta abrir o Instagram de pessoas da sua turma que são muito mais bem-sucedidas do que você. Isso tudo não é natural; é alimentado pelo mito, e o mito está enraizado na sociedade. Essa é a rotina de uma mulher presa à isso, pois no fundo, nunca vai ser possível se desvincular desse preceito por completo.

A insegurança chega em um ponto que você se diminui tanto, que aceita o inaceitável dentro da sua vida. Em um relacionamento, o medo de não ser amada outra vez, de não conseguir ser sozinha é sempre dominante na decisão de ficar ou não em um namoro destrutivo. O Mito da Beleza faz você acreditar que é isso que há pra você, e que você não é o suficiente para receber mais. Qual a chance de um raio cair duas vezes no mesmo lugar e outra pessoa, melhor, mais bonita, mais carinhosa e mais cuidadosa com os seus sentimentos, se apaixone LOGO por você?

Analisei que há outro tipo de insegurança: a insegurança arrogante. Você quer TANTO acreditar que é melhor que outra mulher pois tem medo de ser inferior. No fim das contas, você se compara constantemente com essa outra pessoa, e sua insegurança se tornou numa casca grossa, num escudo protetor. Você sofre disso se pensa “Eu não tenho ciúmes, não tenho inveja. Eu SEI que sou muito melhor”. Apesar de não saber, você tenta se convencer disso para se sentir menos insegura, sem se dar conta de que isso alimenta ainda mais a sua insegurança. O Mito da Beleza precisa que essa rivalidade feminina aconteça para sobreviver, e fomenta sua insegurança para garantir que as vítimas continuem atacando umas às outras. E o engraçado, diz Naomi em seu livro, é que basta encontrar essa mulher no banheiro de uma festa, um elogio aleatório no seu vestido, e pronto. De repente, você se vê envergonhada por ter odiado tanto alguém sem nem conhecer direito. No fim, ela nem é tão ruim assim.

Agora, dividi meu pensamento em duas partes:

  1. A mulher não é.

Algo interessante: a filósofa feminista Simone de Beauvoir escreveu que não se nasce mulher; se torna mulher. Quando a gente fala que gênero se constrói, estamos falando de uma série de premissas que a sociedade impôs do que é ser mulher, e o que isso significa para ela durante a sua vida. Isso quer dizer que várias das frases prontas que ouvimos durante a vida sobre o lugar da mulher e a natureza dela não passam de uma falácia construída pela sociedade: o Mito da Beleza precisa que esses mitos sobrevivam para que a ordem patriarcal das coisas continue, pois paralelamente a isso, o Mito também diz que o homem é forte, provedor, competente de natureza.

“A mulher é ruim de natureza” ou “mulher é bicho ruim”. Como isso há de ser meramente possível, como se fosse um instinto natural, quase animalesco da mulher, ser ruim? Arrumando essa frase.. a mulher é ensinada pela sociedade a ser competitiva, desconfiada e insegura. Não somente isso, mas ela só é competitiva e desconfiada por que se sente insegura. Essa insegurança faz com que a mulher construa o sentimento de inferioridade, e a necessidade de ser sempre a mais bonita, a mais inteligente, a mais delicada, sempre com o intuito de se provar para os homens, pois são eles que estão no topo da pirâmide. Isso se torna um ciclo vicioso de provações, o que permite que o Mito sobreviva. Isso está tão enraizado na sociedade que, mesmo apesar de diversos movimentos feministas e libertários fazerem campanhas contra a rivalidade feminina, promoções de autoaceitação e sororidade, é impossível deixar todos os sentimentos para trás, mesmo para as mais assíduas dos movimentos.

Por isso, voltando à teoria de Beauvoir, a mulher se torna mulher, pois, quando nasce, não tem consciência de tudo que vai ter que enfrentar para ser mulher. Ela é ensinada a ser menos, se calar, e se comportar como uma garota, ao mesmo passo de que o homem vai ser ensinado a ser forte, provedor e imponente.

O preceito de que a mulher (e repare, não quero aqui discutir o Estado de Natureza Hobbesiana do ser humano de uma maneira geral) possui natureza, além de ser falacioso, alimenta a insegurança feminina pois desde que nasce, ela já carrega um peso de ter traços pré selecionados de sua personalidade.


2. A mulher é

Desde cedo, o que nos é ensinado que, biologicamente, a mulher amadurece mais rápido, e que devemos ter paciência com o homem que pode demorar a amadurecer. Mais uma vez, a mulher deve se curvar e esperar a vez do homem amadurecer. Entretanto, o que percebemos hoje é que, na verdade, não há cobrança o suficiente em cima do ser humano do sexo masculino que o faça amadurecer mais rápido. A sociedade protege os meninos, mas recrimina as meninas desde cedo para atingirem um padrão inalcançável e desumano de beleza, de atitude, de inteligência, de elegância, pois se elas demorarem muito a amadurecer, não estarão prontas para encarar o mundo lá fora que é tão cruel com meninas desde que nascem. Essa maturidade pode ser chamada de outra coisa: medo.

A mulher tem medo. Medo de viver, de fazer algo errado, de andar sozinha. De não conseguir ser o suficiente, de não estar à altura de outras mulheres, de não chegar nunca sua vez de brilhar pois o mercado é competitivo (poucas mulheres chegam no topo. E se eu não chegar?). Esse medo também carrega o nome da insegurança.

O Mito precisa que esse medo exista para que ele se sustente. Precisa estar enraizado na sociedade para que uma mulher amadureça mais cedo e siga sua vida de inseguranças como manda o roteiro.

Não é fácil e, sinceramente, não sei nem se seria possível se libertar desses preceitos durante a vida dessa geração. O mundo está em constante mudança e, quem sabe, a desconstrução por completo do Mito não venha a ser uma das coisas que ficarão obsoletas daqui cem anos. A igualdade de gênero hoje parece algo absurdamente inalcançável quando se pensa seriamente sobre ela: em 2021, não possuímos nem sequer autonomia sobre nossos corpos, quem dirá força para combater a maneira que a sociedade coloca pressão sobre meninas que gera medo, insegurança e mais potência no grande ciclo do Mito da Beleza.

Com isso, acredito ter ficado claro o fato de que o Mito não cerne só à beleza estética. Ele cerne trabalho, sexo, religião, alimentação, rivalidade feminina, medo. A grande mídia fomenta a insegurança pois ela é lucrativa. Quantos livros de autoajuda, maquiagem, procedimentos estéticos e estilos de vida inteiros não são vendidos em cima do tormento da vida de uma mulher? É um passo para frente falar sobre isso, e mais dois estar ciente de nossa condição social enquanto mulheres. Tal como o primeiro degrau da revolução marxista seria a consciência de classe, a da revolução feminista é a consciência social. Só assim, pouco a pouco, as mulheres vão combatendo pequenos preceitos em seu dia a dia, pois já sabem identificar onde um comportamento (delas próprias ou de outras pessoas) se configura como problemático. Sua obediência e conformidade sustenta o Mito.

O Mito da Beleza interessa ao mercado de consumo, e por isso permanece vivo. “Um anunciante não tem como influir numa apresentação se não houver ninguém assistindo.” Não siga a boiada.


REFERÊNCIAS


BEAUVOIR, Simone De. O Segundo Sexo: -. 25. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 2014. p. 1.


WOLF, Naomi. O Mito da Beleza: Como as imagens de beleza são usados contra as mulheres. 17. ed. São Francisco: Rosa dos Ventos, 2018. p. 1-490.




 
 
 

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